Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo (praticamente) quinzenal das vozes da minha cabeça.
Tenho uma amiga que é doutoranda em História, e como parte de seu projeto ela viajou para França para digitalizar uma série de documentos históricos relativos ao Brasil. Além de contribuir para a própria tese, isso disponibilizaria os documentos para pessoas ao redor do mundo.
A passagem do tempo e os eventos históricos deixam rastros físicos, e parte do trabalho de quem quiser estudar o passado é buscar esses rastros em objetos, espaços, obras de arte, e olhá-los de perto. Muito do processo investigativo conta com essa fisicalidade do passado, além dos registros do que já aconteceu.
O que fazer se muitos dos eventos históricos atuais não têm rastros físicos- e poderiam sumir se o servidor certo fosse tirado da tomada?
Quando pensamos em um canal de televisão ou em cinema, muito dos arquivos eram físicos. Fitas, CDs, películas. A digitalização dos acervos os torna um tanto intangíveis, mas a coisa entra em outro nível quando pensamos que, na internet, os eventos e acontecimentos que se desenrolam aqui não tem nenhuma expressão física fora da tela além das suas consequências. Um tweet pode causar atrito diplomático palpável, mas ele por si só não existiu para além do Twitter.
Não é só com os tweets do Trump: em 2021, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal para que o Bolsonaro não pudesse bloquear jornalistas no seu Twitter. A base para o pedido veio de um levantamento da própria Abraji, que concluiu que o então presidente da república twitava cerca de 7 vezes por dia e que 98% dos seus Tweets eram de interesse público. Como acompanhar um governo desse sem acesso ao Twitter?
O fato de jornalistas investigativos serem obrigados a seguir de perto as redes sociais é um preditivo do quanto uma arqueologia digital fará parte de um estudo da História num futuro próximo. A internet, por possibilitar mobilização rápida entre comunidades e ser um canal relativamente direto entre pessoas comuns e figuras públicas, se tornou um espaço de eventos.
Dá pra citar vários: a mobilização via Facebook e Twitter que fortaleceu demais a Primavera Árabe em 2010, o movimento #metoo, ou até ramificações específicas como #meuprimeiroassédio. Eventos online reais, com impactos visíveis, mas que seus posts e tweets originais podem simplesmente… sumir.
Essa possibilidade é real para qualquer registro em redes sociais ou em nuvem, inclusive nossa história pessoal. Tanto do que ja vivi e criei só existe online - tipo essa news, o meu falecido podcast, ou todas as fotos que tiro. Sou da época em que a infância tinha fotos impressas, mas todos os registro que tenho hoje vivem na nuvem.
Outra questão é que nosso acervo internético, além de intangível, é privado. O Twitter X, a Meta, empresa mãe do Facbook, Whatsapp e Instagram, a Alphabet, que é mãe do Google, a OpenAI… são empresas privadas. Essas plataformas são espaços que estão sob custódia de cada uma dessas empresas, mas que têm uma importância surreal no presente e passado público. Minha preocupação com a internet é que se um deles enlouquecer (Elon to olhando pra você), perder dinheiro ou simplesmente fazer uma reformatação de sistema, nossos registros… somem.
É verdade que acervos particulares podem ser fonte de registros históricos. É esquisito ainda assim pensar em todo esse acervo intangível, sendo criado em tempo real e existindo apenas por detrás da tela. Se alguém apaga algo da internet, talvez hajam prints espalhados por aí - vestígios dos vestígios. Mas o que acontece se alguém apaga uma plataforma inteira? Imaginem o fim do Orkut, mas com alguma dessas plataformas de hoje?
Se colocarmos fogo em uma biblioteca ou uma enchente varrer as ruas, restam as ruínas. Com a internet, me pergunto se conseguiríamos encontrar algum vestígio além dos servidores desligados depois de tudo acabar.
Alô, pessoal de São Paulo!
A edição veio adiantada para reforçar o convite para o lançamento do meu livro - nesse sábado, na livraria Sentimento do Mundo, na Santa Cecília. Vai ter eu, um bate papo show, prints, livros das 15h30 às 17h30!
“Bia, não posso ir, mas queria muito o livro!” Só ir direto pela editora, por aqui!
Ovelha recomenda
Sigamos com a mobilização pelo Rio Grande do Sul. Algumas iniciativas e pessoas precisando de apoio:
Vakinha da artista plástica Mariane Niedhardt, que perdeu muito da própria casa nas enchentes.
Rifa da
, que por 15 reais por bilhete já levantou mais de 100 reais e deve seguir até o fim do mês. O prêmio conta com alguns livros (li Primeiros Pedaços, da Paula, e é maravilhoso), e as beneficiárias são Tali Grass, ilustradora que perdeu tudo na enchente, e Aline do Pausas para Leitura, que está fazendo marmitas e kits infantis para pessoas abrigadas.Artistas do RS para seguir e contratar
MTST, que está focado na doação de alimentos - pix 09352141000148
Rede de cozinhas solidárias do MTST no RS - link
CUFA (Central Única das Favelas) está recebendo doações em SP e Santos. Também dinheiro pelo pix doacoes@cufa.org.br
Petz de diversas cidades estão recebendo doações de ração, água, roupas, alimentos, produtos de higiene e limpeza, lista aqui
Agências de correios em SP, PR, SC, BA, MG, PE, DF e RJ estão recebendo doações de alimentos de cesta básica, produtos de higiene pessoal, itens de cama, mesa e banho, ração pra pets
Estava procurando gifs no tema do texto e simplermente trombei com um designer gráfico e artista multimeios dos EUA que adorei - Ryan Seslow, ou @ryanseslow no insta
Assisti Challengers (2024), ou Rivais. Gostei mais do que imaginava! Direção topster do Luca Guadagnino.
Love Lies Bleeding (2024) ou Amor Sangra é uma viagem por vezes esquisita e toma uma rota assumidamente trash kkk porém eu curti, achei que o elenco estava super bem, e gostei bastante do trabalho de personagens
Forme Cult Member Hears Music For The First Time - assisti esses dias, e achei interessante. Infelizmente sem legenda.
Textos que me pegaram esses tempos:
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Meus textos na Delirium Nerd
Labirintos Digitais, falando sobre internet
Memória física tem sido um assunto que voltou a moda, né? Eu que cresci rodeado de quinquilharia familiar, penso demais no assunto. Inclusive tou pra escrever sobre o direito ao objeto, logo, o direito à memória. Beijoca e vlw pela indicação da rifa