Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo (praticamente) quinzenal das vozes da minha cabeça.
Foi enquanto eu estava tentando dormir que me perguntei se existia algum vácuo na natureza. Um espaço, mesmo que ínfimo, absolutamente vazio.
E fui descobrir que não existe - pelo menos não na Terra. Podemos criar vácuo artificialmente, podemos embalar algo a vácuo, mas não existe nenhum espaço ou buraco que naturalmente não tenha pelo menos alguma coisa, tipo o ar.
Ainda que inexistente no dia a dia, vácuo é um conceito que trombamos de vez em quando. Quando começamos a aprender física, temos que reduzir a complexidade do mundo. Somos introduzidos ao peso, ao fato de que toda ação tem reação, aos desenhos de bloquinhos cheio de vetores e linhas. Porém, a lista de forças e detalhes que deixamos de fora parece ser maior do que as que consideramos: deixa de lado a resistência do ar, a fricção, arredonda a gravidade, finge que não existe atrito. Para compreender, temporariamente isolamos os fenômenos físicos no vácuo.
É normal: a realidade é muito detalhada para nossas vãs ciências e filosofias, então precisamos simplificá-la mesmo. Tentar quebrá-la em componentes, olhar cada um em separado, como se ele existisse no vácuo - sem conexão com mais nada. Modelos, ou seja, um conjunto de simplificações isoladas e premissas pré-definidas, são comuns para estudarmos tanto ciências exatas quanto humanas. Modelos para entender movimento, modelos para compreender o mercado, modelos para entender comportamento atômico.
Em algum momento da minha vida eu tentei ilustrar essa forma de aprendizado, suas dores e delícias, com tijolos, prédios e cidades. Suponha que você inicialmente quer entender como funciona um prédio, mas tudo que você tem acesso e equipamento para analisar são tijolos. É melhor do que nada, mas é certamente muito mais simples e reduzido do que um prédio. Mesmo que você evolua suas análises e equipamentos para chegar cada vez mais próximo de entender o que é e como funciona um prédio, não é o suficiente: é possível explicar uma cidade a partir de um único edifício?
É claro que essa é nossa eterna meta: entender cada vez mais, de forma cada vez mais complexa. Porém, nunca será suficiente olhar para um único prédio. Não existe nada que queremos analisar no mundo que esteja vivendo no vácuo, que esteja fora de contato com todo o resto. Por isso, obrigatoriamente, avançamos tijolo a tijolo, tentando chegar na realidade concreta de um muro. Ele, no entanto, nunca fará jus ao arranha céu que queremos compreender de fato.
Mesmo qando vamos para o subjetivo, quando pensamos em nós mesmes. Nos episódios 12, 13 e 14 do falecido Aquele Podcast Lá, tento responder a pergunta “Quem sou eu?”. Tento arranhar a superfície da identidade, entrelaçando a sociedade, o nosso corpo, os nossos genes, a nossa família, pra dizer quem somos. Se tem algo que tirei das minhas pesquisas é que a resposta é gigante porque não é possível isolar um único fator para nos descrever. Você nunca é “só” algo, você é um conjunto. Eu não sou “só” mulher - eu sou branca, eu sou brasileira, eu sou do século XXI, eu sou filha dos meus pais.
Porém, como eu já disse, a realidade é muito complexa para nossas vãs ciências e filosofias. O que compõe uma boa análise, na minha opinião, é entender a hora de simplificar e a hora de exigir complexidade. É a compreensão do vácuo como um artifício teórico, mas completamente anti-natural. Nada existe desconectado ou sozinho.
Isolamento e espaço vazio não são naturais; existência em rede e ocupação de espaço, sim.
Sinto um conforto estranho em saber que não existem vácuos naturais na Terra.
Recomendações da Bia
Um vídeo: Eu gosto muito do Thiago Guimarães do Ora Thiago, e ele lançou um vídeo recentemente que me pegou muito - Quando um filme parece um TikTok. Ele debate essa questão da “estética TikTok” que eu inclusive já comentei sobre, e eu achei a visão dele muito muito muito boa.
Um filme: Dois Minutos Além do Infinito (2020) é um filme japonês filmado em plano sequência (sem cortes) que conta a história de um dono de café que descobre um monitor que mostra dois minutos no futuro. Brisa gostosa, está disponível no HBO Max.
Uma quadrinhista: Eu descobri a Lark pelo Twitter, com os quadrinhos de pássaro. Ela está fazendo um catarse para bancar os livros dessas personagens, e eu já apoiei - amo o humor e estilo dela!
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