Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo das vozes da minha cabeça. Frequência? Deliciosamente indefinida.
São sempre os detalhes, não são?
Independente do tema ou objeto em pauta, mesmo que seja simples, tem algo de especial em detalhes que ornam. Mesmo que todo o ponto seja ser direto ao ponto, as miudezas que embalam essa simplicidade podem ser extremamente complexas - e, portanto, interessantíssimas.
“O diabo está nos detalhes” (ou mora nos detalhes, dependendo de quem falou) é um provérbio que a internet me disse ser alemão, e significa que o que inicialmente parece simples ou insignificante pode na verdade ser o grande X da questão, que vai te dar mais trabalho. A frase é atribuída ao Nietzsche, e tem uma irmã quase gêmea baseada na bíblia hebraica que é “Deus está nos detalhes”. O significado é mais ou menos o mesmo, só muda o ângulo: a perfeição depende de cada detalhe.
(Eu confesso que estava repetindo essa frase como O INFERNO está nos detalhes, mas a internet confirmou que eu estou doida. Confundi, vai ver que é porque o conceito de inferno sempre me chamou mais atenção do que o do diabo. Ou, sei lá, “o inferno são os outros” se embaralhou na mensagem. Pelo menos peguei a parte importante, a do detalhe.)
Um dos meus muitos hobbies é ouvir pessoas fascinadas por um assunto falarem sobre o tema: pode ser futebol, K-Pop, um estilo de pintura, uma forma de fazer economia. Algo que tenho zero conexão consegue se tornar fascinante pra mim também - olhando através dos olhos de alguém que ama ou pelo menos é obcecado por um tema, eu vejo algo que meus olhos leigos não viam antes. Eu vejo as sutilezas. Os infinitos pequenos pedaços de algo que antes parecia uma peça inteiriça.
A figura completa sem dúvida entrega a mensagem, mas a conversa acontece nos pequenos detalhes. Quando noto essas sutilezas na criação alguém - qualquer uma, de um livro, uma pintura, a uma planilha de excel -, sinto como se eu tivesse lendo uma carta que escreveram discretamente. Noto o trabalho e a intenção, e me sinto amiga íntima. Acho chique demais.
Entrando nas minhas paixões pessoais, uma das coisas que me deixa mais desajustada das ideias é uma história com detalhes sutis e perfeitos. Me obceco facilmente por esse tipo de coisa, fico repetindo que nem louca que aquilo é incrível, genial, maestria. Pergunto se você notou a sutileza X. A minúcia Y. Aqueles detalhes que me dão um outro nível de intimidade com a coisa toda.
“Show, don’t tell”, ou seja, “mostre, não diga”, é uma técnica de escrita que convida o autor ou autora a caracterizar personagens, cenários e dinâmicas por meio de ações e acontecimentos, não descrição direta. Eu poderia dizer que uma personagem é triste, mas o impacto vai ser outro se pudermos testemunhar sua tristeza - uma cena em que ela descreve como o sabor do sorvete nunca foi o mesmo desde a infância, e que ela tem a impressão de que algo se quebrou no meio do caminho entre a criança e a vida adulta. Agora eu sei dimensões da sua tristeza, porque eu vi a intimidade dela nos detalhes.
Em 2010, um estudo da Universidade de Berkley estimou que recebemos quase 34 gigabytes de informação por dia, durante mais ou menos 11,8 horas. Não encontrei atualização, mas 13 anos depois e algumas redes e smartphones mais tarde, é seguro assumirmos que consumimos ainda mais coisa. Atenção é um recurso limitado que nos conecta com o mundo, e hoje ela é uma commodity competida entre os aplicativos e redes. “Economia da atenção” é um termo que vale o estudo, e nesse cenário caótico de milhares de linhas de informação e conteúdo, os detalhes se perdem.
Dedicação atenta é o que nos permite ver as minúcias: as pessoas obcecadas que comentei antes são as que depositaram horas e horas de atenção em um assunto, e a partir disso conseguem enxergar os detalhes - uma coisa não existe sem a outra. Quanto mais nota-se a complexidade de uma figura, mais interessante ela fica. Além do mais, quando estamos falando de pensamento e narrativas, a simplicidade nua frequentemente pode ser uma armadilha (recomendo o episódio Lavagem Cerebral do Explicando).
Escrevo isso porque jamais quero fugir dos detalhes. O todo é sempre feito de partes - e é em cada uma delas que dá pra notar o céu, o inferno, e o que mais couber lá.
Outras coisinhas
Ano passado me inscrevi para o MicroConto de Ouro, uma competição da Casa Brasileira de Livros. Fiquei como semifinalista com uma historinha que usava a versão errada do ditado (a que virou o título dessa news, por sinal), mas segue o baile.
“Espetada
Quando Lúcifer começou o inferno, ficou em dúvida entre o espeto e o tridente. O espeto tinha a eficiência, a presença fálica, a força. O tridente tinha o esmero, estilo, extravagância.
Decidiu pela estética — o inferno está nos detalhes.”
No link que coloquei tem os textos dos ganhadores, é uma leitura bem interessante e rápida. Além disso, escrevi esses dias na Delirium Nerd sobre White Lotus e suas sutilezas. Essa série me pegar total e 100% nos detalhes - recomendo.
Outras Recomendações
Vou colocar aqui alguns links que podem interessar, e se não interessarem peço que busquem coisas interessantes porque a vida é feita disso.
Um artista: O Victor Octaviano, que usei para ilustrar o texto, é uma tatuador e aquarelista que eu amo. As ilustrações dele tem um detalhamento incrível na simplicidade delas, e assistir o homem pintar é terapêutico. Acho ele especialmente foda retratando pessoas!
Uma série: Comentei de White Lotus, que escrevi o texto, e volto a recomendar principalmente a segunda temporada - tem disponível na HBO. Um puta trabalho de roteiro e personagem, que investe demais nos detalhes.
Uma newsletter: A
é uma newsletter sobre criatividade com diversos exercícios legais - foi fazendo o Literoutubro deles que fiz a primeia versão dessa história do espeto.(Os textos que escrevi estão aqui, aqui, aqui e aqui no Medium)
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Obrigada por citar a querida totô por aqui!
Sou obcecada por detalhes, restos, pedaços. Mas acho que isso vc já sabe.
White Lotus tem uns cantinhos muito especiais né? Dá vontade de rever só pra focar neles.
beijo.