Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo (praticamente) quinzenal das vozes da minha cabeça.
Um vulcão se parece com a mente de uma pessoa: uma montanha na qual a loucura arde.
- Mandíbula (2022), Monica Ojeda
Um tema recorrente do terror é a loucura. É um tema recorrente na minha cabeça também.
Minha relação com filmes de horror é dúbia: eu sou medrosa, mas também acredito que o gênero consegue ter histórias tão sedutoras que valem o medo e as noites mal dormidas. Por isso, consumo a conta gotas, escolhendo cuidadosamente os filmes que valem a pena, e me preparando para potenciais problemas no sono. Com livros, sofro menos - algo sobre a possibilidade de fechá-los a qualquer momento torna tudo mais fácil.
Terror me seduz porque cutuca feridas que não costumamos tocar com outras histórias. Tende a ser intenso: diante do inimaginável, indizível ou inescapável, como é possível reagir? Através das emoções e respostas dos personagens, boas histórias escancaram que no limite somos muito parecidos, e que aterrorizante mesmo é o que se passa na nossa cabeça.
Negação é uma ferramenta comum dos autores do gênero na hora de estruturar uma trama: independente da ameaça ser real ou não, a negação vai aparecer. Seja a personagem questionando a própria sanidade, sejam as pessoas ao redor invalidando uma experiência ou evento. Nasce daí um medo extra, que se sobrepõe à ameaça original: será que é só loucura? Estou ficando louca?
Loucura é definida pelo dicionário Oxford como um sentimento que foge do controle da razão, ou uma alteração mental caracterizada pelo afastamento do indivíduo de seus métodos habituais de pensar, sentir e agir. Deus me perdoe mas eu gosto muito do conceito da Wikipédia também: uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados anormais pela sociedade.
As três definições deixam claro que loucura é relacional: nos sentimos (ou somos?) loucos quando divergimos de algo. Pode ser da norma social, das nossas maneiras habituais, de algum ideal de saúde mental. O louco é, então, a pessoa desconectada do seu contexto.
Pensando nisso, não é coincidência a loucura ser tão presente em narrativas de terror. Sua natureza alienante anda de mãos dadas com a solidão, e as coisas são muito mais assustadoras quando estamos sozinhos. Qualquer sensação ou gatilho se amplifica, porque está sendo enfrentado na solidão.
Em termos narrativos, creio que o enlouquecimento em si também é muito simbólico: é um processo de morte de certezas e solidez. Se não é possível confiar na própria percepção de mundo, o que nos resta? Como se defender? O medo se aprofunda porque a incerteza é, como a solidão, aterrorizante.
O medo de enlouquecer é comum. Quando fui buscar fontes sobre a relação do tema loucura dentro do terror, fui acidentalmente inundada de conteúdos falando sobre medo de enlouquecer e sua relação com ansiedade. É fácil de enxergar o padrão circular: quanto mais medo de enlouquecer, mais ansiedade e pensamentos “estranhos”, e mais combustível para se sentir anormal.
Mas se louco é o desconectado, o medo de enlouquecer nada mais é que nosso medo de desconexão e abandono, com novas roupagens e algumas camadas extras. Só queremos fazer parte do bando, e ele não está aberto para os loucos. Quem em sã consciência não teria medo da loucura, então?
Para mim, é uma das perspectivas de história mais assustadoras: uma pessoa perdida na própria paranoia, ou ainda em perfeito juízo mas sendo isolada porque o grupo o considerou louca. Assistir alguém perdendo a sanidade me cria o questionamento: será que eu enlouqueceria também?
Ovelha recomenda
A Queda da Casa Usher é uma série de terror da Netflix pelo Mike Flanagan. Amo outros trabalhos dele (Missa da Meia-Noite em especial), e esse não foi diferente. Um terror mais sombrio e tenso do que propriamente assustador, baseado em contos do Edgar Allan Poe.
Eu acho que já falei do livro Mandíbula por aqui, mas não custa repetir. Monica Ojeda coloca terror em outros patamares, tocando em adolescência, sexualidade, relações femininas e paranoia.
Algumas semanas atrás divulguei o Labirintos Digitais, e seguimos produzindo! Meu primeiro post por lá foi sobre live de NPC.
Alguns textos que conversaram comigo essa semana:
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