Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo (praticamente) quinzenal das vozes da minha cabeça.
O formato newsletter repetidas vezes me põe em uma posição em que eu não quero estar: escrevendo textos com uma dose maior de autoexposição. Tem relação com o formato, tão íntimo, direto na caixa de e-mails de quem lê. Tem também a ver com a frequência: eu não tenho tempo hábil o suficiente para produzir textos mais distanciados, que precisam de um período maior de maturação, desde a pergunta inicial até o produto final.
Esta semana foi mais uma que eu não sabia o que escrever, e tentei ganhar na teimosia. Na busca pela inspiração, fucei meus arquivos para mapear exatamente o que eu já publiquei na internet, temas relevantes, o que poderia ser legal de revisitar. Talvez, assim, encontrar material pra fazer algo mais distanciado, menos primeira pessoa.
Sem contar um falecido blog na adolescência e uma quantidade irrevelável de fanfics, minha vida produzindo coisas online começou mais ou menos em 2018. Fazendo as contas numa linda planilha de Excel, descubro que tenho quarenta e nove publicações desde novembro daquele ano.
Pois é: bem-vinde ao texto número 50.
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Uma pergunta que provoca a física e a filosofia, mas que eu nunca peguei muito bem o hype é: se ninguém estiver lá pra ouvir, uma árvore caindo faz barulho?
O motivo pelo qual eu nunca entendi muito bem a grande questão é que eu acredito que sim, faz barulho. Um tronco se chocando com o chão causa movimentações no ar, as ondas sonoras. Isso seria barulho, e independe de ouvidos estarem lá pra ouvir, certo? É o que eu achava, pelo menos. No entanto, eu já estive errada - é raro mas acontece com frequência.
Aparentemente, som (ou seja, barulho) é diferente de onda sonora. Uma árvore caindo, como eu espertamente apontei, causa sim uma propagação de ondas sonoras. Porém, o som é justamente a nossa percepção auditiva a esse tipo de onda - portanto, sem ouvidos para ouvir, não há barulho.
Isso convida a uma série de questões filosóficas, porque a própria interpretação do som depende do cérebro, e as coisas começam a se subjetivar a partir daí. Essa pergunta fica dando voltas na física e na filosofia, com provocações que vão desde o nosso impacto nos eventos como observadores até o retumbante “ se ninguém estiver ouvindo, a árvore está caindo e não caindo ao mesmo tempo.”
Penso no ponto de vista da árvore: uma testemunha da sua queda impacta como o seu processo? A conversão das ondas sonoras em som não afetam em nada a sua queda, ou ela cai diferente dependendo dos ouvidos alheios?
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Sempre que escrevo no tom mais pessoal ou sinto que estou aparecendo demais nas redes, tenho dois medos: o mais óbvio, de ridículo, de exposição em geral, e o outro - que eu não sei dizer se é comum ou não - de performance.
Eu odeio a ideia de estar performando uma persona. Tanto o papel de uma “escritora profissional”, quanto simplesmente sendo um eu que tenta ser “genuíno” mas sai pré frabricado. Sinto qualquer material que eu produzo forçado, esquisito, uma performance baseada no que eu acredito que são as expectativas dos outros.
Apesar do medo, é algo natural: pessoas e ambientes diferentes despertam partes distintas nossas. Somos seres sociais, estamos sempre “performando” para o grupo. Redes sociais, no entanto, inflamaram esse comportamento. Tudo que temos online é como um portfólio de nós mesmos, um resumo rápido, uma lista do que esperar.
Tenho medo de perder a minha própria autenticidade no meio da performance… o famoso se perder no personagem.
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Considerando que a árvore cai, a premissa já começa a abrir outras portas. Por que será que a árvore caiu? Nossos ouvidos compreenderiam se foi podridão, cupim, tempestade ou um ser humano derrubando, basedos apenas no barulho da queda?
Acho que não, porque nossos ouvidos não se importam. O barulho aconteceu, independente do que se passa por dentro da árvore. E o barulho significa, apenas, que ela caiu.
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Costumo chocar as pessoas quando afirmo que sou tímida. Eu me sinto tímida, eu tenho dificuldade com minha timidez. Mas eu entendo: eu não pareço tímida. Me pergunto com frequência se, na verdade, todas as pessoas têm sentimentos muito parecidos, e a única diferença é a nossa performance diante deles. Pode ser que muita gente se sinta constrangido na frente dos outros, mas a performance de algumas pessoas não seja de constrangimento. Essa é a diferença entre alguém que pode ou não ser chamado de tímido.
Quem seria eu de verdade? A tímida que sinto ser, ou a extrovertida que dizem ver?
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São dois componentes, conectados mas distintos: a árvore cai, e alguém ouve. São duas experiências individuais, que somadas criam uma, coletiva. Se a queda é dada, o que realmente muda é o momento compartilhado.
Qualquer existência vai ser recebida como performance, porque essa é a natureza dos eventos compartilhados. O autor comunica, performa, e o interlocutor capta. Ambos têm poder, mas só até certo ponto.
Escutaremos o barulho, sempre, como uma performance da queda.
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Meu Deus, que som alto. Vocês ouviram isso? Acho que caiu uma árvore.
Me reservando o direito de fazer coisas esquisitas. Esse texto e as gifs em velocidades variadas foram um reflexo do vai e volta da minha cabeça essa semana. Me conta o que você achou!
(Agradecimento especial à Juliana, que me ajudou a deixar menos sem pé nem cabeça <3)
Recomendações da Bia
Um texto: Uma árvore faz barulho ao cair se ninguém estiver lá para escutar? A resposta da ciência e da filosofia foi uma fonte importante da brisa de hoje, enquanto eu pesquisava sobre árvores em queda
Outro texto: Amor e Estranheza (30/54) foi uma reflexão que me pegou demais, me conduzindo para uma viagem. É da newsletter
Um site: Estou obceccada por esse site que é parte revista literária parte experimentação visual e de programação
Uma resenha: Escrevi sobre o filme novo do Homem Aranha no Aranhaverso pra Delirium!
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Meus textos na Delirium Nerd
Considere meu ouvido sempre perto da tua árvore 💜 (talvez esse comentário não faça sentido, mas eu espero que faça é que eu fiquei meio maluca)
Essa postagem simplesmente mexeu comigo, me fez pensar em muitas coisas. Fiz anotações que podem gerar ideias futuras. Obrigada por compartilhar seus pensamentos com a gente.