Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo das vozes da minha cabeça. Frequência? Deliciosamente indefinida.
Meu tempo online não é algo que eu me orgulho. No caso, também não é algo que eu me envergonho ou arrependo, porque é o meu trabalho já faz alguns anos. É, simplesmente, um fato: eu sou cronicamente online. Imagino que, em algum nível, somos todos - principalmente o pessoal mais novo. Porém, eu sei dizer que estou acima da média.
Quando fiz o projeto d’Aquele Podcast Lá, o primeiro episódio foi dedicado ao fluxo de informação da internet. Falei sobre consumo ativo e passivo, e descrevi o que eu chamo de inércia informacional.
Esse termo é algo que tenta traduzir nossa forma de consumir informação hoje: em um fluxo contínuo, sem parar pra pensar ou digerir o que recebe - um movimento imperturbável, inerte. Nesse mesmo episódio, eu cito um monte de dados: como um estudo americano de 2009 (13 anos atrás!1!1!) estimou que liamos e/ou ouviamos 100 mil palavras por dia, passando 12 horas consumindo informação, que são cerca de 34 giga todos os dias; ou que em 2018 o Brasil foi o quinto país com mais tempo no celular (cerca de três horas por dia), segundo App Annie. Recomendo o episódio não só pelo constrangimento de me ouvir na primeira gravação do podcast (ainda bem que as coisas melhoram), mas pelo tema em si.
A internet não é como a TV - que consumimos na segurança do nosso sofá. A internet se tornou, com o advento do celular e das redes, um espaço próprio de convívio e troca. E como arquitetos, geógrafos, sociólogos e muitos outros podem dizer, nossos espaços têm funções sociais e individuais bem poderosas.
Pra você, é fácil entender a internet não só como um universo, mas um espaço?
“Terceiro Lugar” ou “third place” é um conceito do sociólogo Ray Oldenburg: temos nosso espaço primário, que é nossa casa, e o segundo lugar, que é nosso trabalho ou escola. O terceiro lugar são os espaços de convivência da comunidade: café, parques, SESCs, centros comunitários, bibliotecas, bares, restaurantes. Ele chama esses lugares de “community builders”, os construtores de comunidade, e os considera essenciais para um bom funcionamento cívico e democrático da sociedade. Precisamos deles para cultivar laços, para ter um convívio neutro, para suporte. O conceito veio em 1989, mas se popularizou de novo faz uns anos, com análises sobre a internet e seu papel na cultura.
A internet é um dos terceiros lugares mais frequentados da juventude. Para entrar, basta ter um celular na mão, e boa parte das interações sociais do dia podem ocorrer por lá.
No meu caso, com o trabalho remoto, meu primeiro, segundo e terceiro lugar se misturam muito: meu consumo de informação está nas alturas, meu trabalho acontece dentro da minha casa e também na internet, e eu imagino que minha cabeça seja um lindo reflexo desse bololô.
A ideia da internet como quase literalmente um espaço mudou muito minha forma de encará-la. As redes têm uma cultura e linguagem próprias cultivadas dentro da comunidade, as interações ocorrem por lá, e o caráter imersivo do smartphone faz com que a gente nunca desconecte de fato. Estamos sempre com um pé aqui e outro lá, a cabeça presente em dois lugares diferentes.
Por isso, eu diria que a internet não só é um espaço, como também é onipresente para muita gente. Um lugar que coexiste conosco o tempo todo, está sempre aqui. Byung Chul-Han tem um olhar interessante sobre isso, que ele desenvolveu em Sociedade da Transparência e No Enxame: as redes eliminaram o tempo e a distância, e tudo é aqui e agora. Por causa disso, temos o imediatismo, pouco tempo pra pensar e muitas reações passionais. Esse olhar conversa muito com o termo Economia de Tensão, da Float Vibes - tínhamos a economia da atenção, com apps e companhias disputando pela nossa atenção o tempo todo. Agora, com essa tsunami de informação, o que desperta emoções fortes e muitas vezes negativas é o que chama mais atenção e nos fixa pra engajar.
Caótico, né? Com diversos nichos e subculturas convivendo no mesmo feed, nem mesmo visualmente o consumo é coeso. Diversos códigos, referências, menções. Li recentemente sobre filmes com essa “estética de internet” - um maximalismo visual, cores, cortes rápidos, informação em fluxo constante - não estou achando o link, mas Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo e Glass Onion (2022) são dois ótimos exemplos disso. Os estímulos visuais precisam ser gigantes, o timing acelerado, as narrativas com várias camadas.
Me pergunto muito quais efeitos isso tem - na gente, no jovem, no mundo. Esse imediatismo de reação que eu comentei certamente torna nossa interpretação de texto e contexto pior. Perdemos um pouco a capacidade de nos chocar, por causa do fluxo gigante de coisas. A radicalização ficou sem fronteiras por meio do online. Existem as coisas boas e bonitas também, que por vezes cortam o ruído. Me conecto com muita coisa incrível.
Pra mim, é um fenômeno obsessivamente fascinante. Tenho dificuldade de desviar os olhos desse caos, apesar dos apesares. Me pergunto com frequência se a internet não se tornou também uma espécie de inconsciente coletivo, jogado a céu aberto… deve ser por isso que me interessa tanto.
Bom, meu nome é Bia e sou cronicamente online. E você?
Recomendações da Bia
Decoração e Artes: Farofa Arts, que ilustrou o texto - lá tem quadros, tapeçarias, brisas.
Um texto: O oceano do não saber é um texto da Uma Palavra da Aline Valek. Ela usa o aprendizado do alemão pra refletir sobre como construimos quem somos, e o texto rendeu alguns comentários bem legais - que dá pra ver aqui. Um bom exemplo de internet conectando <3
Um texto meu (kkkk): Lembra que na edição passada eu indiquei o filme Entre Mulheres (2022)? Pois bem, escrevi uma resenha no Delirium Nerd - vai lá olhar!
Um Instagram: Estou obcecada pela conta do Dollynho - apesar de não verificada, é real. Eu chequei.
Quer me seguir por aí?
Twitter - @essabiamesmo
Instagram - @essabiamesmo
Medium - @essabiamesmo
Meus textos na Delirium Nerd
Recebeu o texto de alguém? Então é só se inscrever pra receber mais!