Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo das vozes da minha cabeça. Frequência? Deliciosamente indefinida.
Quantas constantes temos na vida? Além da certeza da morte, uma das únicas coisas que são 100% sólidas, pra mim, é o meu nome.
Quando eu era criança, não gostava do nome Beatriz e nem do apelido Bia. Me agarrava a outro apelido e fantasiava que o meu nome era Joana ou Luciana. Eu tentava explicar que Beatriz era um nome “muito pontudo”, e Joana era “mais redondo”. A lógica é impecável, e qualquer pessoa sã evitaria um nome pontudo.
Alguns anos depois, em uma escola nova, todo mundo me chamava de Bia e eu tinha uma vergonha absurda de corrigir. O erro virou a constante e meu apelido passou a ser Bia, o natural para uma Beatriz. Eu podia querer escapar do meu nome, mas ele foi inevitável.
Hoje, sou Bia em quase todos os casos - atendo assim, me apresento assim, assinei livro assim (não sem uma pequena crise de identidade, mas no fim ficou Bia e não Beatriz). Meu nome foi escolhido pelos meus pais, tem uma história de origem bonitinha, um significado legal. Meu nome, apesar de eu ter sido resistente nos meus primeiros anos de vida, sou eu.
É muito doido pensar que nomes são poderosíssimos para definir, e no geral não temos nenhum controle sobre eles. Nome é uma decisão parental, sobrenome é herança familiar. Beatriz foi uma questão tão polêmica na minha infância e tão definitiva pra quem sou hoje - quem seria a escritora dessa newsletter se ela fosse a Joana, como eu queria?
Se pensarmos no nome completo, esse debate tem um sabor especial para a parte feminina da população: a adoção do sobrenome do marido era obrigatória no Brasil para mulheres casadas até 1977. Além do simbolismo do último nome vir do pai e passar a ser o do marido - mulheres como propriedade - virtualmente toda a história da Fulana de Santos era apagada, agora se tornando Fulana da Silva. Se, por exemplo, Fulana da Silva fosse acadêmica, pesquisar sua produção com uma mudança de nome no meio seria um caos.
Os nomes carregam de onde viemos e talvez até pra onde vamos. Sou nascida e vivo no Brasil, mas me pego pensando em como a latinidade seria inegável se eu resolvesse viver em algum outro lugar. Já soletrei meu nome para gringo e fui recebida com choque quando descobriram que a grafia era BeatriZ e não BeatriCE. O Z, tão pontudo, entrega a origem - não importa o quão bem eu fale a língua estrangeira. Pensando em imigração, o nome é uma bandeira inescapável. Quantas batalhas são travadas nos nomes dos filhos e netos de imigrantes? Quanto se recusa a ser assimilado?
Quantas pessoas são o outro simplesmente pelo seu nome?
Inclusive por essa questão cultural, a escolha do nome é um processo delicado. Escolher o nome que uma criança vai carregar a vida inteira??? E se eu escolher errado? E se eu quiser ser chique e complexa, mas só arrumo dor de cabeça pra essa pessoa? E se eu achar que ele tem cara de Zé, mas seu destino era ser um Caio?
Se escolher nome para outro seria difícil, pensar no meu então nem se fala. Confesso que teria dificuldade de tomar uma decisão tão definitiva sobre mim, mas também penso que seria algo quase ritualístico. Pessoas trans escolhem seus nomes como parte da transição, e eu só imagino o quanto deve ser um rito de passagem. A escolha, as pessoas adotarem ao redor, os documentos retificados.
Se eu fosse escolher meu próprio nome, as opções mudariam muito dependendo da época: nomes “redondos” quando eu tinha seis anos, nomes diferentões quando eu era adolescente. Hoje, não sei o que eu escolheria além do meu. O mais próximo de uma decisão importante no assunto foi a escolha da @, seis anos atrás, o glorioso @essabiamesmo.
Escolher @s de rede social é quase um microbatismo - nomes de negócios e projetos são pensados a partir do que está disponível nas redes. Eu assino @essabiamesmo em tudo que faço, pensando na unicidade da minha produção. Jogou no google meu @, vai vir tudo o que eu fiz com esse nome.
Com internet, onde absolutamente tudo é pesquisável, o nome e o username ganham uma camada extra. Viram endereço, além da tradicional etiqueta. Meu @ é um terreninho nessa infinidade de espaço que é a interwebs - e é meu nome também. No caso do Twitter, eu adotei o user Caos, mas esse é transitório (espero eu).
Dá pra ir bem longe com esse papo. Por ora, me limito a pensar que só existe uma newsletter chamada Ovelha Azul porque tem uma pessoa que responde por essabiamesmo (e não AquelaJoanaLá) escrevendo .
Recomendações da Bia
Uma artista: A arte que ilustra a newsletter é da
, que cria colagens analógicas e imagens maravilhosas no @ilharga.art. Ela também escreve newsletters (Te Escrevo Cartas e ) e poesia, com o livro Primeiros Pedaços.Um filme: Assisti C’mon C’mon (Sempre em Frente em português, mas preferi o nome C’mon C’mon kkk). É um filme de 2021 com Joaquin Phoenix, e achei duma sensibilidade incrível. Direção de arte e roteirinho show de bola!
Uma série: Acabei de assistir Swarm (ou Enxame), uma série do Donald Glover de terror satírico. Escrevi um review que estou particularmente orgulhosa, e sem spoilers, pra quem quiser dar uma olhada sem ter assistido.
Dois livros: Me deparei pela internet com o conceito artístico de female rage - a fúria feminina como motor artístico. Li dois livros nessa vibe: Com todo meu rancor, da Bruna Maia, e Animal, da Lisa Taddeo. Eu não diria que estou me identificando com o movimento no momento, mas ambos são muito bem escritos e de uma intensidade show - você vai sentir coisas.
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