Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo quinzenal das vozes da minha cabeça.
Estou organizando um projeto de pesquisa, e por causa deles estou sendo obrigada a pesquisar - um terrível destino. Tive que lembrar muito do que já li, e aprender o que eu não sei ainda mas preciso saber pelo menos o básico para fazer essa ideia andar.
Leitura e escrita acadêmica são um mundo à parte. Muito do que eu escrevi para esse projeto parece fruto de um transe que para de fazer sentido quando releio, e boa parte dos textos que li precisaram de uma dose de não entendi bem mas vou tentar vibrar na mesma frequência para eu assimilar. Tem sido uma experiência, pra dizer o mínimo.
(Essa é uma forma longa de dizer que li muito sobre sociedade contemporânea nas últimas semanas.)
No meio das minhas pesquisas, com o senso de humor típico da mente do palhaço, comecei a ver um padrão e tomar nota toda vez que acho um conceito que se encaixa. Veja bem, nós vivemos em uma sociedade - e os intelectuais estão loucos para nos explicar qual é a questão principal que precisamos nos preocupar com relação a ela.
Nas últimas três semanas, passei pela sociedade do consumo, sociedade do cansaço, sociedade do espetáculo, sociedade da transparência, sociedade das plataformas, sociedade disciplinar, sociedade de massa. Olhando assim, em lista, parece um jogo: sorteie uma palavra da caixa misteriosa, e nos conte como ela traduz um pouco da sociedade contemporânea.
Tem conceitos que são do mesmo autor, pra falar do mesmo período de análise, mas salientando pontos diferentes. A quantidade de “sociedades” que os acadêmicos precisam inventar para explicar o mundo atual, pra mim, é um sintoma. Somos a sociedade dos mil conceitos. Somos a sociedade complexa.
Afinal, você pode falar que é uma sociedade do espetáculo, porque as relações sociais são realmente mediadas por imagens (é mais importante parecer do que ser, né não?); ou uma sociedade das plataformas, pela crescente plataformização da vida (Instagram, iFood, Uber); talvez do consumo (autoexplicativa); ou uma sociedade disciplinar, em que o poder se dá via disciplinamentos desde o berço… dá pra continuar. Cada uma delas teve no mínimo um livro escrito inteiramente sobre o assunto, pra definir bonitinho o conceito. Tem que respeitar a hiperfixação da pessoa acadêmica.
Boa parte do que tenho lido é do século XX. Apesar de ser meio lugar comum a gente falar da internet como um dos grandes eventos definitivos de quem somos hoje, eu devo dizer que a maioria das análises que li já estavam bem alinhadas com nosso modo de vida atual. Essa galera já fez uma leitura ótima de nós todos, mesmo sem ter conhecido o Twitter. Como?????1!?!?
O que rola é que o cerne de muitas dessas análises é baseado nas mudanças comunicacionais do último século, com TV e cinema, além da financeirização do capital (alô mercado de ações, investimentos, especulações), e as mudanças socioculturais que acompanharam ambos esses movimentos. Desse ângulo, descreveram o desenvolvimento capitalista no último século, e o que está rolando hoje - com luzinhas piscando, notificação de WhatsApp e inteligência artificial - nada mais é do que a progressão do que já vinha acontecendo. Nada veio do nada.
Podemos montar um bingo: previram o poder da imagem? SIM. Previram a mercantilização do eu? SIM! Previram a marginalização crescente de uma parte da sociedade? SIM! Previram a formação de grupos de extrema direita que se organizam via dark social (Telegram, zap, etc) e tem um comportamento de culto?? Não, isso não previram, mas realmente acho que aí seria o caso de um Nostradamus mesmo.
O tempo passa e o que a gente faz, aparentemente, é passar um verniz de contemporaneidade e tecnologia sobre as mesmas questões. Se falavam de precarização do trabalho por causa de leis trabalhistas, agora estamos falando de precarização de trabalho criativo com inteligência artificiais treinadas sem pagar direito autoral. Se antes a gente falava de imagens mediarem as relações sociais via TV e cinema, hoje a gente tem… Instagram. Veja bem, é complicado mesmo, é tecnológico, a gente precisa estudar as particularidades contemporâneas, mas a raíz da questão parece a mesma, não?
Talvez nessa sensação de sermos uma sociedade complexa de mil conceitos, a gente esqueça do básico: dentro ou fora da internet, com algoritmo ou IA generativa, a discussão segue a mesma. Hiperconsumo, precarização do trabalho, falta de acesso, desigualdade, individualismo. A gente se acha muito complexa.
Mas às vezes não é pra tanto. A gente só vive numa sociedade capitalista mesmo.
Ovelha recomenda
Gosto do trabalho de colagem surrealista da Moonlight Media, ou Ciara Nicole. Tinha a imagem do texto escolhido antes mesmo de terminar de escrever!
Lembra que recomendei Love Lies Bleeding (2024)? Escrevi uma resenha na Delirium, pra quem tiver interesse!
Assisti Samurai de Olhos Azuis (2023) e olha… obcecada. Tem na Netflix, uma temporada de desenho animado de 8 episódios e a próxima temporada deve chegar em 2025 apenas.
Gostei muito disso aqui - trabalho do fotógrafo de natureza Solly Levi!
Textos que me agradaram:
E só pra não esquecer…
Meu livro de contos, Museu de Pequenas Falhas de Caráter, está à venda na editora Mondru!
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Meus textos na Delirium Nerd
Labirintos Digitais, falando sobre internet
ri muito com essa frase: "não entendi bem mas vou tentar vibrar na mesma frequência" :D desde que me graduei há 10 anos atrás nunca mais li nada acadêmico, mas me identifiquei. é assim que me sinto quando leio algum livro de ficção mais antiguinho - às vezes não entendo tudo TUUUDO, mas vamo que vamo!
Me identifiquei tantooo! Durante o mestrado, parecia que só vibrando na frequência da cabeça daquele autor pra internalizar escritos tão complexos e profundos e sem ponto final. Ri muito. E você tem razão: a gente inventa mil nomes e interpretações e a raiz é a mesma. Adorei seu texto!