Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo (praticamente) quinzenal das vozes da minha cabeça.
Newsletter dois dias mais cedo porque a pré-venda do meu livro de contos Museu das Pequenas Falhas de Caráter acaba dia 20 de março - corre lá pra pegar com desconto!
Agora, de volta à programação normal.
Nos meus trinta anos na Terra, ganhei intimidade comigo mesma. É impossível conhecer uma pessoa completamente, mas imagino que seja o mais perto que vou chegar de desvendar alguém.
Escrever tem seus benefícios, sendo um dos maiores o extenso histórico de quem eu fui, de quem quis ser, e quem achava que era. Essas três pessoas sempre são diferentes, e é até constrangedor conseguir observá-las como expectadora lendo meus registros. Eu não tento escrever sobre mim, inclusive fujo desse tipo de tarefa porque tenho um medo absurdo e inescapável de ser egocêntrica. Ainda assim, escrevendo sobre qualquer coisa, quem eu sou sempre vai estar lá nas entrelinhas.
As obsessões também estarão ali, cuidadosamente expostas para quem tiver interesse de ver. Escrevi palavras o suficiente pra entender que tipo de coisa me deixa pirada, aluga triplex na minha cabeça, me faz reavaliar tudo e todos. Sou fascinada pelo conceito de tempo, de percepção, da vã tentativa que é se expressar para o outro e para si mesmo. Eu amo discutir forma e conteúdo, e terminar tudo com interrogação. Esses dias, estava revisitando minha obsessão pelo Eu e identidade.
O questionamento “quem sou de verdade” já me tirou o sono. Durante muito tempo me ocupei com os conceitos de performance e expectativa - sou quem eu realmente sou, ou uma performance do que esperam de mim??? Por algum motivo que minha terapeuta já deve ter descoberto e eu não tenho muita clareza, sempre tive uma aversão a expectativas alheias. Tenho um medo de decepcioná-las ou, pior, que me restrinjam a partir delas.
Esse medo de expectativa é válido. Afinal, como os outros me encaram e esperam que eu vá me comportar logicamente vai afetar como me comporto. Porém, essa ideia de que existe uma arqueologia de mim mesma que eu poderia fazer - tirar todas as camadas de performance externa e encontrar “meu verdadeiro eu” - me parece muito esquisita agora. Depois de tanto tempo me observando e literalmente me lendo, a roupagem pode mudar mas a essência parece sempre a mesma na prática. Eu descubro quem eu sou pela repetição, e não pelo isolamento de algum componente.
Afinal, não existe vácuo na natureza. Nunca saberei como eu existiria em um buraco vazio de verdade, porque eles não existem. Quem eu sou sempre vai ser interativo com o meio, com as pessoas nele, e o que elas esperam de mim e da vida. Ninguém nunca vai saber quem eu sou de verdade, crua, sozinha - nem eu mesma.
Tenho tido menos paranoia com estar me restringindo dentro de uma performance do que esperam de mim. Imagino que venha com a idade e com esse acesso a várias iterações do que eu já fui, através da escrita. É confuso tentar separar o que é autêntico, o que é performance para o outros, e o que é performance pra mim - tentando chegar numa tal melhor versão. Eu sempre vou estar performando algo. Meu eu de verdade acaba sendo a soma dessas ideias todas.
Esse papo ganha toda uma camada se eu for falar de redes sociais - mas surpreendentemente eu não quero falar disso hoje! Só quero comentar que a pergunta “Quem sou eu??” é uma jornada, que eu descubro sem pressa, e a resposta vai mudando conforme o mundo me muda também.
Ovelha recomenda
Lembrando que meu livro de contos Museu das Pequenas Falhas de Caráter está em rpé venda até dia 20 de março!!!!1!1!!! Repetição é a chave da publicidade kkk
A Henn Kim é uma ilustradora que faz questão de extrapolar a realidade nos seus traços em p&b. Eu amo o trabalho dela, que tem inclusive muitos gifs e animações no mesmo estilo!
Acabei de ler O Avesso da Pele, do Jeferson Tenório (comecei antes da questão toda da censura, mas terminei em tempo de opinar no meio dela), e recomendo demais. A escolha de perspectiva de narrador e a poética da parada são lindas demais, além de tristes.
Estou lendo O desaparecimento dos rituais: uma topologia do presente, do Byung-Chul Han, e gostando.
Mais uma vez perdi o bolão do oscar, mas venho aqui recomendar Anatomia de uma Queda e Ficção Americana (esse tá no Prime). Ambos ganharam prêmio de roteiro, na minha opinião muito merecidos.
Textos que me agradaram essa semana:
Tornando o estranho familiar, tornando o familiar estranho, da
Linguagem Guilhotina V.5 (V.2) - Top 5 Filmes da temporada, do Cristiano Aguiar
Censura a livros e a arte como resistência, do
More man made of miscellaneous materials, do Étienne Fortier-Dubois
Quer me seguir por aí?
Twitter - @essabiamesmo
Instagram - @essabiamesmo
Medium - @essabiamesmo
Meus textos na Delirium Nerd
Labirintos Digitais, falando sobre internet
Obrigado, Bia!