Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo quinzenal das vozes da minha cabeça.
⭐Feliz 2025, galere.⭐
I.
One trick pony significa “pônei de um truque só” em inglês, um ditado comum para falar de pessoas que têm apenas uma habilidade, talento ou especialidade. “Ah, ele fez isso bem, mas acho que é um pônei de um truque só”, ou seja, não tem mais o que apresentar. Ser considerado um pônei de um truque só é ruim - afinal, queremos ser pessoas vibrantes, cheias de hobbies e habilidades, que são reconhecidas em suas multitudes, né?
Queremos ser complexos… NÉ??
Bom, ser um pônei (ou ovelha) de um truque só ainda é meio ruim, mas vivemos em um momento que a imagem governa. Redes sociais intermediando as relações, era do marketing pessoal e do personal branding, de influencers, de estéticas e cores, de criar conteúdo como forma de existir e conectar. Nos posicionamos muito como produtos a serem consumidos, mesmo fora do mercado de trabalho: navegar o perfil de qualquer pessoa no Instagram é encontrar uma curadoria de vibes que pinta a história de como aquela pessoa gostaria de ser percebida.
Vou sacar aqui do Lipovetsky, filósofo francês que toca em consumo estético, moda e imagem. No seu livro com Serroy, A estetização do mundo, eles explicam que vivemos um momento da identidade hiperindividualista, e as redes sociais têm um papel chave nessa construção. O eu online não é fruto de uma busca paciente, voluntária e metódica de si, mas uma exposição imediata. É a “semostração [sic] contínua”, os tempos da transparência de si.

A questão é que essa construção do autorretrato online, que acontece ao vivo, é um achatamento. Pessoas são complexas, pôneis cheios de truques, mas as imagens que consumimos e produzimos no dia a dia não. Não é recomendável ser um pônei de um truque só, mas ter muito mais do que dois ou três te deixa menos palatável - sem uma coesão definida, é difícil te classificar. Queremos o fulano que surfa; a ciclana que curte café e faz yoga; aquele cara lá que trabalhava em publicidade, mudou de vida™ e foi pra Caraíva, no máximo.
Qualquer manual de marketing pessoal e influência deixa claro nas primeiras linhas: escolha seu nicho específico, e trabalhe nele com coesão e autenticidade. Implícito aqui é que, quando somos o produto, é preciso reduzir para o compreensível e fácil de consumir. O Byung-Chul Han toca nisso n’A Salvação do belo, ao falar da estética do liso: não queremos porosidade. Só existe diversidade que é consumível e fácil de compreender.
Então, a ovelha (pônei) ideal tem uma quantidade pré-definida e palatável de truques para entreter a plateia - o suficiente para chamar a atenção, mas nada muito além. Algo muito fora do proposto vai confundir e dispersar a audiência, e não é o que queremos, não é mesmo? Só queremos ser vistos - seja para conseguir ganhar dinheiro ou simplesmente sentir que existimos.
Pois é, a prisão do sujeito contemporâneo, realmente, é a sua própria imagem. A estética de si. O produto que faz de si mesmo. Tudo normal por aqui.

II.
Meu primeiro post da Ovelha Azul foi em janeiro de 2023 - feliz dois anos pra gente! A ideia original era o exercício de escrita consistente e, quem sabe, reunir um pequeno público que poderia se interessar pelo livro que eu estava terminando de escrever - o Museu das Pequenas Falhas de Caráter, de contos. O primeiro ano de textos foi uma proposta um pouco mais existencial (e cringe), com experimentações, que eu imaginei que me conectariam com o pessoal que eventualmente ia querer me ler na ficção também. Mas aí, meu amigo (ou amiga ou amigue), eu acabei descambando pra falar de sociedade e internet - fazer o que é, é a minha obsessão atual e meio que meu trabalho.
Aí eu me vejo entre a cruz e a espada: a Ovelha não é exatamente fechada nesse tema de internet, de forma que possa me ajudar a divulgar pesquisa ou conseguir trampos. Eu não quero que seja inteiramente fechada, no caso. Mas ela também atraiu um público, principalmente no segundo semestre do ano passado, que provavelmente não está me lendo porque gosta da minha forma de escrever ficção. Esse não é um problema inédito para mim, que faz coisas sem um plano muito claro e adora tocar de ouvido - já fiz quadrinho no Instagram, podcast de perguntas e pesquisa, to escrevendo mais ficção e se as coisas derem certo um dia vou publicar também sobre internet. Coerência não é o meu forte. Mais do que muitos truques, eu sou uma ovelha maluca (she’s so crazyy!!), e portanto meio difícil de marketizar às vezes.

Esse texto é um desabafo a contragosto, porque se tudo der certo minha lápide vai tar escrito “aqui jaz Bia, amada por família e amigos, muito discreta na sua vida online”. Para esse mundo de pessoas que chegou recentemente, considere esse post uma forma de boas vindas e apresentações !1!11Agora você sabe mais sobre a mulher por trás da Ovelha, e qual foi a ideia original pra essa ovelha, no caso. Independente do porquê você me lê - o humor inigualável e consistente, meu vício em referência acadêmica, a curadoria de imagens impecável - saiba que temos muito a oferecer por aqui. Não sei se vai sempre ser o esperado, mas vai sempre vir do mesmo lugar (eu, no caso).
E se você curte o meu trabalho, que tal me contar o porquê nessa pesquisa anônima, ou por email ou nos comentários? E se você curte MUITO o meu trabalho e estiver podendo, que tal fazer uma inscrição paga?? Haverá uma edição extra em formato diferente por mês, e o Ovelha Premium vai ter prêmios físicos enviados pra sua casinha…………
(Desculpa gente a autopromoção vai aparecer esporadicamente porque vivemos numa sociedade e precisamos de dinheiro)
O dilema de complexidade versus vendabilidade (?) está aí, cai quem quer. Mas vale lembrar: somos muito além de nossas imagens achatadas. Ou, pelo menos, deveríamos ser.
Ovelha recomenda
Acompanho a Alex Garant (@alexgarantart), artista canadense, desde antes da pandemia, e acho a arte dela muito interessane. Ela tem essa imagem consistente de pessoas se sobrepondo, mas ela conseguiu encontrar muita variedade e experimentação dentro dessa linguagem.
Reforçando os livros que usei de base, temos A estetização do mundo: Viver na era do capitalismo artista, do Lipoetsky e do Serroy, e A Salvação do belo, do Byung-Chul Han.
Se tiver curiosidade de outros tipos de texto que já passaram pela news, dá uma olhada em Bicho de apartamento, Quem tem medo da loucura, Estranha forma de sonhar, Acho que você não entendeu.
Textos que me pegaram nos últimos dias:
E só pra não perder o hábito…
Meu livro de contos, Museu de Pequenas Falhas de Caráter, está à venda na editora Mondru!
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Meus textos na Delirium Nerd
Labirintos Digitais, falando sobre internet
Gostei e me identifiquei taaaaanto com esse post! Eu fico nervosa por não ser especialista em um truque só mas agora estou começando a ver luz no fim do túnel que vários truques podem ser legais! Obs: seu livro é o próximo da minha lista de leituras. Amei o título demais! ❤️
Parabéns pelos dois anos, eu também comecei em janeiro de 2023!