Seja bem-vinde a mais um texto da newsletter Ovelha Azul - um reflexo (praticamente) quinzenal das vozes da minha cabeça.
Hoje, vou tentar responder a pergunta do título! O tema pode ser levemente desesperador, mas eu quero que você me imagine pegando na sua mão e falando é melhor saber como as coisas acontecem, bora pensar sobre o mundo!!… espero que ajude. E sim, estou perfeitamente ciente da ironia que é chamar a pessoa lendo de COMMODITY sendo que dois textos atrás eu estava falando para gente parar de ser niilista e sonhar futuros. Eu sei, eu sei, mas vem comigo aqui.
O conceito de ‘economia da atenção’ não é novo. Ele nasceu nos anos 70, postulando atenção humana como um bem escasso. O termo se popularizou no discurso de marketing (sempre ele), e ganhou um significado bem mais denso com as plataformas sociais. A mecânica é objetiva: redes sociais monopolizam seu foco enquanto você olha o feed. Elas “vendem” esse momento para anunciantes - não é apenas o espaço entre um conteúdo e outro com uma propaganda de páscoa, é o seu estado mental de imersão naquela rede. Eles monetizam a sua atenção.

Esse produto tem várias camadas: além dessa combinação fortuita do seu estado mental e seu tempo de tela, essas plataformas são construídas ao redor do recolhimento de dados. Não só o que você declara, como seu nome, idade, e-mail, fotos, mas também o seu comportamento. O que você seguiu, o que você assiste até o final, o que você deixa comentário, que comentários você lê, a foto que você tirou mas deixou de postar, o tempo que você segurou um story para poder ler. Esse conjunto de dados entra na combinação do pacote de vendas: um espaço visual, em um feed que a pessoa passa um tempo usando, com um estado mental receptivo, e um perfil bem definido e compatível com a sua mensagem. Voilà, a principal mercadoria da economia da atenção.
Essa dinâmica compõe o que chamamos de capitalismo de vigilância, termo da Shoshanna Zuboff para falar desse fenômeno de monetização de dados adquiridos pela vigilância constante. As empresas por trás das plataformas - a Meta (Facebook e Instagram), a ByteDance (TikTok), a Alphabet (Google e Facebook), o Xuitter, a Amazon e outras - são o modelo para essa forma de acumulação de capital.
Agora vamos lá: você sabe o que são commodities? Os tipos de mercadoria que são tecnicamente sempre as mesmas, não importa quem esteja vendendo: milho, soja, ouro, cobre, etc. A soja que o Brasil vende é a mesma da Argentina. Ambas são compradas, vendidas e precificadas dentro de um mesmo mercado. E aí eu te faço a pergunta: na economia da atenção, no capitalismo de vigilância, no mundo das plataformas: a commodity é o que?

Tem aquelas frases batidas, do tipo “se você não está pagando nada o produto a venda é você”, mas quero ir para além disso. Poderíamos argumentar que são os dados. Faz sentido, né? Poderíamos argumentar que é a audiência enquanto conceito que envolve esses dados. Daria também para ser um pouco mais abstrata e dizer que é a ‘atenção’. Porém, nós vamos um pouquinho mais longe nas elaborações hoje: a commodificação dos usuários de rede social é baseado no trabalho gratuito que eles fazem.
Eu vou pedir pra você reler a frase antes de continuar - a commodificação dos usuários de rede social é baseado no trabalho gratuito que eles fazem. Ou seja, o que torna um usuário commodity é o seu trabalho empregado nas redes. Comecemos pelo básico: produzir conteúdo é trabalho. Apesar de existirem pessoas que vivem de criação de conteúdo, o grosso do que move a internet plataformizada não é pago, é o famoso UGC - user generated content. Você está no instagram pelos vídeos engraçadinhos mas também pela foto do seu amigo ou o stories da pessoa que você acha bonitinha. As plataformas só são capazes de monetizar a atenção dos usuários por causa do conteúdo que cria esse ambiente e cerca as mensagens publicitárias de contexto. Criar conteúdo é trabalhar de graça pras redes.
Essa discussão, eu sei, já é um pouco mais difundida. Porém, existem linhas de análise que colocam a própria presença da pessoa numa rede social como uma forma de trabalho: seu tempo produtivo está sendo investido ali, e ele será monetizado e portanto vai gerar valor. Seu uso de redes, mesmo que você seja lowprofile e não poste uma única foto, gera um rastro de dados essencial para que essas empresas possam seguir com seu modelo de negócio. Seguindo esse raciocínio, mais do que tendo sua atenção vendida como produto, você está dedicando tempo, deixando um rastro de dados e produzindo valor, em um movimento que muitos chamariam de trabalho gratuito.
Nesse racional, tanto seu uso passivo quanto ativo das redes sociais são uma exploração de trabalho gratuito por parte das corporações que comandam essa plataformas. É trabalho porque gera valor, simplesmente. Um valor que, no caso, não chega no seu bolso. Pelo contrário, ele ainda te coloca em contato com conteúdo publicitário e corre o risco de te fazer perder dinheiro.

Eu tenho um defeito terrível, que é ser economista de formação, e deve ser por isso que gosto muito de análises que pensam sob a ótica de trabalho e geração de valor. Respondendo a pergunta do título: você é uma commodity?? Mais ou menos. Seu tempo de trabalho gratuito no digital te commodifica dentro desse mercado de publicidade nas redes. Sim, extremamente alto astral.
Vale dizer que obviamente você, meu anjo, meu floquinho de neve, meu alecrim dourado, é um ser humano multifacetado. A palavra commodity não te abrange de forma alguma. Porém, é legal a gente pensar que nós não somos exatamente nós mesmos na internet: tanto no sentido subjetivo, que já falei aqui e aqui, quanto no sentido prágmático - nós somos, e sempre seremos, usuários.
Fiz esse texto não pra te deixar em pânico ou pra que você largue de vez rede social, mas pra que sejamos cuidadosos: esse tempo, teoricamente, é nosso. Ele é poderoso. A gente vai investi-lo onde?
Psiu, quer me ouvir falando sobre internet e arte?
Fui convidada pelo pessoal do Escrita Matinal a dar um aulão sobre internet e conteúdo, e debater a grande questão: tem espaço para arte na internet?
O Escrita Matinal é um grupo online de produção e troca de textos, liderado pela escritora e atriz Liana Ferraz. No aulão, divido o palco com a Renata de Camargo, parte do time do Escrita, artista e profissional de marketing digital. Juntas, vamos passar por uma visão geral da evolução da internet ao longo dos anos, seu uso por criadores de conteúdo, e tentar entender mais a fundo os lugares possíveis para arte online.
O encontro é dia 8 de abril, terça-feira, 19h30, via Zoom, e se você não é do Escrita Matinal não tema porque abrimos pra público pelo valor de R$60,00. Teremos bate papo ao final!
Ovelha recomenda
Uma das principais leituras sobre o assunto específico trabalho no contexto de plataformas foi o Dal Yong Jin, Digital Platforms, Imperialism and Political Culture. É um pouco denso, mas fica aqui registrado como referência.
Gosto MUITO das colagens da Moonlight Media, já tinha inclusive usado num texto, mas achei que casava muito o tema e resolvi repetir.
Completamente fora de contexto com o texto, mas vi Masculino-Feminino e curti bastante. É um filme dos anos 60 do Godard, e infelizmente não achei trailer.
E só pra não esquecer…
Meu livro de contos, Museu das Pequenas Falhas de Caráter, está à venda na Amazon!
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Meus textos na Delirium Nerd
Labirintos Digitais, falando sobre internet
nem eu sabia o quanto precisava dessa analise pra entender váaaarias outras coisas atuais. brigada por compartilhar.
Excelente!! Porém me deu vontade de largar as redes sociais sim kkkk 🤡 (principalmente o famigerado Instagram)